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E possível a compra conjunta do sistema Siafic por diferentes poderes de um ente

E possível a compra conjunta do sistema Siafic por diferentes poderes de um ente

É possível a contratação conjunta do Sistema Único e Integrado de Execução Orçamentária, Administração Financeira e Controle (Siafic) por diferentes poderes de um ente federativo. Vale lembrar que é dever do Poder Executivo de cada ente da federação adquirir ou desenvolver, implantar, manter e gerenciar o Siafic, que deverá ser disponibilizado e utilizado, obrigatoriamente, a partir de 1º de janeiro de 2023.

O sistema deverá ser utilizado por todos os poderes e órgãos, incluídos autarquias; fundações públicas; empresas estatais dependentes e fundos de unidade federativa, com ou sem rateio de custos. Além disso, é vedada a existência paralela de outros sistemas computacionais com a mesma finalidade; e deve ser observada a regulamentação do Decreto Federal nº 10.540/20 ou de outro que venha a substituí-lo.

O Poder Executivo de cada unidade federativa tem apenas as atribuições de disponibilização, manutenção e gerenciamento do Siafic. Assim, não há concentração de gestão em um único poder e nem invasão às garantias e prerrogativas constitucionais e legais dos demais integrantes da unidade federativa. Portanto, a compra conjunta não caracteriza violação à independência dos demais poderes.

Essa é a orientação do Pleno do TCE-PR, em resposta à Consulta formulada pelo presidente da Câmara Municipal de Marechal Cândido Rondon, por meio da qual questionou se seria possível, nos termos do artigo 48, parágrafo 6º, da Lei Complementar nº 101/2000 (Lei de Responsabilidade Fiscal - LRF), a aquisição conjunta e integrada dos sistemas únicos de execução orçamentária e financeira, que serão mantidos e geridos pelo Poder Executivo.

 

Instrução do processo

A Coordenadoria de Gestão Municipal (CGM) do TCE-PR afirmou que, de acordo o disposto no artigo 48, parágrafo 6º, da LRF, é obrigatória a utilização de um sistema único de execução orçamentária e financeira; e cabe ao Poder Executivo a sua manutenção e gerenciamento, com ou sem rateio de despesas, conforme regulamentação local. Assim, entendeu que a contratação conjunta não representa violação ao princípio da separação dos poderes, mas sim medida condizente com o princípio da eficiência e a racionalização administrativa.

O Ministério Público de Contas (MPC-PR) concordou com o posicionamento da unidade técnica.

 

Legislação, jurisprudência e doutrina

O parágrafo 6º do artigo 48 da LRF dispõe que todos os poderes e órgãos do ente da federação, incluídos autarquias, fundações públicas, empresas estatais dependentes e fundos, devem utilizar sistemas únicos de execução orçamentária e financeira, mantidos e gerenciados pelo Poder Executivo, resguardada a autonomia. 

O inciso III do parágrafo 1º desse mesmo artigo da LRF estabelece que a a transparência será assegurada também mediante a adoção de sistema integrado de administração financeira e controle, que atenda a padrão mínimo de qualidade estabelecido pelo Poder Executivo da União

O Decreto Federal nº 10.540/20 regulamenta o padrão mínimo de qualidade do Siafic. Seu artigo 1º fixa que a transparência da gestão fiscal de todos os entes federativos em relação à adoção do sistema será assegurada pela observância do padrão mínimo de qualidade estabelecido no decreto e das disposições da LRF.

O parágrafo 1º do artigo 1º do Decreto Federal nº 10.540/20 expressa que o Siafic corresponde à solução de tecnologia da informação mantida e gerenciada pelo Poder Executivo, incluídos os módulos complementares, as ferramentas e as informações dela derivados, utilizada por todos os poderes e órgãos, incluídas as defensorias públicas de cada ente federativo, resguardada a autonomia, e tem a finalidade de registrar os atos e fatos relacionados com a administração orçamentária, financeira e patrimonial.

O parágrafo 3º desse mesmo artigo dispõe que o Siafic será mantido e gerenciado pelo Poder Executivo, que tem a responsabilidade pela contratação ou desenvolvimento; pela manutenção e atualização do sistema; e pela definição das regras contábeis e das políticas de acesso e segurança da informação aplicáveis aos poderes e aos órgãos de cada ente federativo, com ou sem rateio de despesas.

O parágrafo 4º do artigo 1º estabelece que o Poder Executivo observará a autonomia administrativa e financeira dos demais poderes e órgãos; e não interferirá nos atos do ordenador de despesa para a gestão dos créditos e recursos autorizados na forma da legislação e em conformidade com os limites de empenho e o cronograma de desembolso estabelecido e nos demais controles e registros contábeis de responsabilidade de outro poder ou órgão.

O parágrafo 6º desse artigo fixa que o Siafic será único para cada ente federativo e permitirá a integração com outros sistemas estruturantes, vedada a existência de mais de um Siafic no mesmo ente federativo, mesmo que estes permitam a comunicação, entre si, por intermédio de transmissão de dados.

O artigo 2º do Decreto Federal nº 10.540/20 define sistema único como o sistema informatizado cuja base de dados é compartilhada entre seus usuários, observadas as normas e os procedimentos de acesso, e que permite a atualização, a consulta e a extração de dados e de informações de maneira centralizada; e sistema integrado como o sistema informatizado que permite a integração ou a comunicação, sem intervenção humana, com outros sistemas estruturantes cujos dados possam afetar as informações orçamentárias, contábeis e fiscais, como controle patrimonial, arrecadação e contratações públicas.

O artigo seguinte (3º) expressa que os procedimentos contábeis do Siafic observarão as normas gerais de consolidação das contas públicas, relativas à contabilidade aplicada ao setor público e à elaboração dos relatórios e demonstrativos fiscais. Seu parágrafo único dispõe que os entes federativos poderão editar normas contábeis específicas relativas ao Siafic, estabelecidas, preferencialmente, por ato do órgão central de contabilidade ou do gestor responsável, pertencente à estrutura da administração pública do respectivo ente, sem prejuízo das determinações expedidas pelos órgãos de controle interno e externo.

O artigo 9º do Decreto Federal nº 10.540/20 estabelece que, sem prejuízo da exigência de características adicionais no âmbito de cada ente federativo e do que dispuser o órgão central de contabilidade da União, os requisitos tecnológicos do padrão mínimo de qualidade do Siafic.

O artigo 11º desse decreto que regulamenta o Siafic fixa que o sistema deverá ter mecanismos de controle de acesso de usuários baseados, no mínimo, na segregação das funções de execução orçamentária e financeira, de controle e de consulta, e não será permitido que uma unidade gestora ou executora tenha acesso aos dados de outra, com exceção de determinados níveis de acesso específicos definidos nas políticas de acesso dos usuários.

Supremo Tribunal Federal (STF), no julgamento da Ação Direta de Constitucionalidade nº 2.238 em relação ao Siafic, entendeu que a previsão de estratégias de harmonização no texto constitucional com a finalidade de garantir o imprescindível equilíbrio federativo também encontra explicação em razoes econômicas, que deram ensejo ao denominado federalismo fiscal. Assim, o STF concluiu pela inexistência de concentração do poder em um único e onipotente órgão e a presença de diversos mecanismos constitucionais de controles recíprocos.

Ainda de acordo com a decisão do STF, os órgãos exercentes das funções estatais, para serem independentes e conseguirem frear uns aos outros, com verdadeiros controles recíprocos, necessitam de certas garantias e prerrogativas constitucionais; e tais garantias são invioláveis e impostergáveis, sob pena de ocorrer desequilíbrio entre eles e desestabilização do governo.

De acordo com o entendimento do Tribunal de Contas do Estado do Espírito Santo, todos os órgãos e entes de cada unidade federativa devem utilizar o sistema único de execução orçamentária e financeira e o Poder Executivo de cada uma das unidades federativas é quem deverá manter e gerenciar o referido sistema.

José Afonso Silva, em sua obra Curso de Direito Constitucional Positivo, afirma que a independência dos poderes significa que a investidura e a permanência das pessoas num órgão do governo não dependem da confiança nem da vontade dos outros; no exercício das atribuições que lhes sejam próprias, não precisam os titulares consultar os outros nem necessitam de sua autorização; e, na organização dos respectivos serviços, cada um é livre, observadas apenas as disposições constitucionais e legais. Ele ressalta que nem a divisão de funções entre os órgãos do poder nem a sua independência são absolutas, pois há interferências visam o estabelecimento de um sistema de freios e contrapesos, em busca do equilíbrio necessário à realização do bem da coletividade e indispensável para evitar o arbítrio e o demando de um em detrimento do outro e especialmente dos governados.

 

Decisão

O relator do processo, conselheiro Nestor Baptista, lembrou que a LRF é estruturada com uma concepção ampla, estratégica, coordenada; e como parte de um esforço de harmonização fiscal idealizado pelo governo central. Ele ressaltou que se trata de um arrojado modelo regulatório das finanças públicas, alicerçado em medidas gerais de transparência, de programação orçamentaria, de controle e de acompanhamento da execução de despesas e de avaliação de resultados.

Baptista ressaltou que a interpretação das diretrizes LRF deve levar em consideração o contexto macroeconômico e de estabilização monetária, a fim de se priorizar o fortalecimento dos preceitos básicos que estimulem o imprescindível equilíbrio federativo quanto aos aspectos econômicos e fiscais. Assim, ele considerou admissível a implementação de ações pelo governo central.

O conselheiro destacou que a obrigatoriedade em se adotar, na administração pública brasileira, um sistema de administração financeira e controle com padrão mínimo de qualidade que assegure apropriadamente a transparência das contas públicas reflete os objetivos da LRF. Ele enfatizou que a obrigatoriedade de um sistema único a ser mantido e gerenciado pelo Poder Executivo não prejudica a autonomia dos demais poderes

Assim, o relator concluiu que, como o sistema Siafic deve ser utilizado por todos os órgãos e entes de cada unidade da federação, é vedada a existência de outro Siafic no mesmo ente federativo, ainda que estes permitam a comunicação, entre si, por intermédio de transmissão de dados. Ele ressaltou que a responsabilidade pela implantação, manutenção e gerenciamento do sistema é do Poder Executivo de cada um dos entes da federação, mas que não há proibição aos demais Poderes e Órgãos na coparticipação de custos; e que o arranjo colaborativo ser previamente pactuado entre as partes interessadas, nunca imposto.

Baptista também lembrou que a adoção do sistema único pelos integrantes da federação representa uma grande evolução dos serviços de contabilidade em âmbito nacional, pois representa dados mais tempestivos, fidedignos, críveis e tecnicamente aderentes às Normas Brasileiras de Contabilidade Aplicadas ao Setor Público. Ele frisou que isso resulta em transparência para o controle social e para o exercício do próprio controle externo, que depende de dessas informações para o fiel cumprimento de sua missão constitucional.

O conselheiro salientou, ainda, que o termo "autonomia" constante no parágrafo 6º do artigo 48 da LRF refere-se ao resguardo das garantias e prerrogativas constitucionais e legais deferidas de cada um dos poderes e órgãos pertencentes à respectiva unidade federativa. Ele destacou que o Decreto Federal nº 10.540/2020 instituiu salvaguardas com o intuito reforçar a necessidade de se preservar a autonomia dos demais órgãos e poderes que utilizarão o Siafic.

Finalmente, o relator afirmou que não haverá qualquer ingerência sobre os dados e informações relativas à execução financeira e orçamentárira por parte do respectivo Poder Executivo sobre os demais poderes e órgãos, a exemplo do que já ocorre na União quanto à utilização do Siafi.

Os conselheiros aprovaram o voto do relator por unanimidade, na Sessão nº 20 do Plenário Virtual do Tribunal Pleno do TCE-PR, concluída em 9 de dezembro de 2021. O Acórdão nº 3413/21 - Tribunal Pleno foi disponibilizado em 13 de janeiro, na edição nº 2.688 do Diário Eletrônico do TCE-PR (DETC)